domingo, 13 de setembro de 2009

A viagem ao introspecto

''Andando pela rua o rato me mordeu
Pisei no rabo dele, ele se fudeu
Ai que coisa maluca rato fila da puta''


Autoria de Rato. Iburana.


Conheci Márcio nos corredores do prédio de história na UFES no começo deste ano. Estávamos programando ir ao ELEH, em La Paz, em outubro próximo. Nesses contatos para ir-mos dando continuidade a idéia apareceu uma proposta para ir até Ecoporanga, norte de estado em busca de informações sobre os movimentos de luta entre posseiros e fazendeiros e no meio disto tudo o contestado de Cotaxé. E assim começou essa experiência que mudou nossas vidas, criando laços de amizades surpreendentes entre os que foram e aos que ficaram.

Os quatros cavaleiros do apocalipse se despedem do último contato com a “civilização” e deixam Ecoporanga marchando vagarosamente rumo ao desconhecido e seco caminho que conduz até a próxima parada, em Imburana, á 18 km. Bebendo sua bebida amarga que descia quente como o sol que brilhava sobre nossas cabeças enquanto observávamos a topografia ao nosso redor. Conhecemos figuras folclóricas. O primeiro deles foi o seu Francisco que montado no acaso seguia rumo á Explosão. Ainda desconfio se não seria ele o saci em cima da mula-sem-cabeça. Ou não seria o Sr. Udelino?

Seguimos nosso caminho aonde um efeito pseudoalucinógeno comecara a nos afetar. Talvez devido a poeira que era deixada pelos carros, talvez pelo anseio de não saber o que viria na próxima curva daquele semi-árido ou talvez pela deliciosa ferreirinha que degustávamos. O efeito parecia se intensificar com a chegada da noite. Parados em baixo de uma árvore robusta tivemos a impressão de avistar um daqueles imensos gorilas das selvas africanas que estava deitado de braços abertos pronto para pular sobre nós. Os efeitos só seriam amenizados com goles d’água aonde o cavaleiro filosofo comentava que “ a água é o que revigora o ser, da vida a alma”.

Com a chegada da noite a lua nos acompanhava silenciosamente iluminando os passos sagrados dos cavaleiros que seguiam a passos fortes e decididos rumo ao destino. Com essa mesma lua entramos em Imburana após exatamente uma hora desde o encontro com seu Francisco, como ele nos disse que chegaríamos nesse horário. Logo que adentramos o pequeno lugarejo encontramos com seu Ideubrandio “o lobo manso” como se auto denominava. Conhecemos pessoas inesquecíveis Bodinho, Luís ambos donos dos boteco mais badalados do pedaço. Nada como comer e descansar na pousada da D. Nathalina. Ver o demônio Fiama. Cavaleiros não podem descansar. Pelo menos não todos. Um saiu à caça. E foi recompensado com uma carne negra ensangüentada e comida pelas formigas numa cerca de arame qualquer de uma rua escura.

No amanhecer já estávamos na estrada seguindo em direção á Cotaxé. Mais 16 km. Entrevista e relatos do “Amor”. A moqueca de cascudo na pensão da D. Neuci. Nos empanturramos á vontade. Um banho de rio refrescante para tirar a poeira que carregávamos há algum tempo já completou nossa passagem por lá.

Voltamos a Iburama. Aonde não nos deixaram voltar tão cedo para casa. Os cavalheiros foram desmontados pelo acolhimento das pessoas que naquele instante já se tornaram amigas e impossíveis de não se lembrarem no dia-a-dia. Rato, Edi e cia limitada. Um churrasco que parecia estar assando nossa própria vontade de ir. Queimando o lacre do real e nos levando ao surreal, ao um mundo que não era nosso.

Aos amigos que ficaram e esperam por nós, digo que em breve voltaremos e contarei a história desse povo. Suas lutas, suas guerras pelo sangue derramado por toda a injustiça que os homens impõem sobre seus semelhantes. Enquanto houver vida e existir pessoas que não aceitem a crueldade de uma minoria tirana, digo, para que não paremos de lutar por nossa liberdade. Que nos roubem tudo, apenas nos deixem livres para conquistarmos mais do que tínhamos antes.

Um abraço Márcio, Jesus e Vander pela companhia, pelas descobertas da nossas próprias almas.

Isso é apenas um começo de uma vida que se ergue. Próximo parada Bolívia, La Paz. Estoy llegando.


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