domingo, 29 de agosto de 2010

Projeção Astral


Partir conscientemente
Me descobri inclinado a isso
Por que dormir descontente...
Ah, o preço de ter companhia

Minha sombra corre comigo
Sob o enorme sol branco
Minha sombra vem comigo
enquanto nós deixamos tudo pra trás...


Far Behind- Eddie Vedder.








Era apenas para ser mais dia normal que eu entrava em casa e ela me ignorava. Era pra ser mais daquelas noites em que eu jogava a maleta com certa força na poltrona, afrouxava a gravata, acendia um cigarro enquanto enchia dois dedos de um malte 60 anos. Enchia de ar, na verdade. Não havia mais nada do que ar dentro da garrafa. Fazer o quê, então? Vamos de vodka. O importante era sentir o gosto do álcool, pelo menos. Na garrafa de vodka, nada poderia se encontrar também. Decidi não mais investir nessas malditas bebidas- por que essa maldita não veio me encher o saco até agora?- então, vou fazer um pouco de café. Sentar em frente ao laptop e blogar um pouco. Quem sabe assim não me faça cair na realidade e sentir que estou vivo e definitivamente sozinho? Talvez melhor do que nunca? E sozinho. Ah! Nada melhor do que está sozinho. Esse cheiro de liberdade que eu sinto me faz repensar aonde e por que eu estive preso tanto tempo. Preso com ela, preso em um serviço que nem ao menos me dá uma vida, preso em uma sociedade falida.

Naquele café tinha algo. Um sabor que me deixava alvoroçado. Não saberia dizer o que era. Mas tinha um sabor e um cheiro diferente de tudo que eu já provei dantes. Então deixei aquela xícara e me levantei. Vi que ao me levantar me sentia mais leve. Será que fora os pensamentos? O cigarro? O café? Não fazia sentido. Ouvi o barulho da porta se fechando e ao me virar vi que era ela chegando e falando comigo. Eu respondia, mas ela não me ouvia. O que a deixava puta. Mas como não me ouvia? Eu estava ali, oras! Então ela senta ao meu lado e começa a chorar. Então percebo que a leveza que sentia antes, não era impressão somente. De fato era alguma coisa que eu não carregava mais. Era o peso do meu corpo. O peso dos valores de um bom marido, filho, amante, empregado, aluno, jogador, torcedor... O peso da carne não está mais em mim. Ao vê-la chorando entendi tudo. Ela pensava que eu estava morto. Depois de todo o sofrimento é que ela pôs a sentir-se algum sentimento que não fosse à indiferença. Agora é tarde. Nada mais posso fazer por ela. Foi à decisão dela por anos agir assim comigo. Quando o ser humano entenderá que nós somos a causa do nosso próprio sofrimento? E que só damos valor quando algo vai embora ou morre?

Olhando daqui de cima, olhando suas lágrimas, desconfio que em algum dia até possa ser que ela me amou em algum canto do seu coração em partes pequenas de alguns dias de nossa penosa convivência. Mas não posso voltar. Não com a chance ser livre. De conhecer o outro lado. Quero conhecer o meu eu alternativo, a minha anti-matéria. Parei. Então, fui caminhando em direção a porta e abri-a e vi um mundo em cacos. Em caos. Havia destruição o sol não brilhava mais, havia morrido. De repente ouvi uma música tocando. Segui o som distorcido que pouco se poderia se reconhecer em melodia. Parecia-se algo como Wish You Were Here. Não sei ao certo. Então vi um buraco sujo e fundo e o homem com os olhos brancos me disse gritando: “Parabéns senhor! Conseguimos destruir tudo”! Então perguntei a ele o que o homem fez pra deixar a terra assim ele me respondeu: a terra era nossa mãe. Éramos-nos os seus olhos e seus ouvidos. Olhos para enxergar o que o restante dos homens faziam e protegê-la. Seus ouvidos para escutar o seu desespero. Não fomos capazes de nada fazer! Os homens bons apenas nada fizeram contra os maus. Então saí dali e me dirigi ao centro de uma luz que saia do chão. Parei e fixei- me o olhar nela. Havia uma placa que alertava: “não toque na última esperança da humanidade”. Não entendi muito bem e segui em frente. Caminhava e via um caminho fundo aonde se parecia a muito ser um grande rio. Hoje nada mais do que uma estrada. O vento não mais soprava. As árvores não possuíam mais folhas e nem frutos davam. Uma terra sem cor e sem alegria com pessoas cinzas e sem vidas. Será que sempre não foram assim as nossas cores? Será que nós não enxergávamos erroneamente? O mundo nunca foi um parque de diversão e quem assim acha sofre muito. O mundo sempre foi um campo de batalha. O que eu via, era a projeção do real no plano do surreal. Era o novo inverso ou apenas um futuro? Nunca saberei. Mas creio que era possível de ser ambos. O homem é capaz de destruir tudo. Eu estraguei a minha vida, a dela, a dos meus amigos, de meus familiares . De todos. Do universo. Queria volta, após observar uma criança desfigurada por algum explosivo, provavelmente, que varreu o brilho de seu sorriso. Retorno a porta donde saí. Entro e vejo como se não se passasse nem um segundo. Ela chorando sobre o meu peito. Retorno para a minha carne e acordo com o peso do meu corpo e o olhar dela sobre mim com um ar de espanto, então houve um dialogo:

- Você morreu e voltou?

-Não. Só saí pra passear um pouco.

-Como assim?

-Esqueça! Vou fumar um cigarro e dormir um pouco. Tenho sono.

- Vamos conversar! Fiquei preocupada.

- Agora? Não mais adianta. Acabaram suas chances e a minha paciência.

- O que aconteceu nesse seu passeio? Você mudou comigo. Nunca foi assim.

- O que mudou é que eu finalmente vi. O ser humano não muda. Nós nunca mudaremos um com o outro.